A Psicanálise e as recomendações ao médico que pratica uma clínica que não é médica.
- Fórum do Campo Lacaniano de Florianópolis

- 12 de nov.
- 2 min de leitura
Sempre considerei curioso o título do texto de Sigmund Freud “Recomendações ao médico que pratica a Psicanálise”, publicado em 1912. Refletindo sobre minha curiosidade, identifico que ela se localiza em três palavras que se encontram aí articuladas: Recomendações, médico e Psicanálise.
A leitura do texto evidencia o esforço do autor em apresentar àquele a quem o endereça, o médico, o produto de anos de uma experiência clínica que não pode ser identificada ao que a ciência havia produzida até então. A formação médica é, pelo menos desde o relatório Flexner, o produto do treino de práticas baseadas em evidências, sintetizadas em recomendações transmitidas pelos professores no interior de cursos universitários, como, aliás, a própria formação em Psicologia tende a ser.
No entanto, as recomendações freudianas subvertem aquelas estabelecidas na formação baseada em “evidências de natureza científica” (hoje bastante fundamentadas em análises estatísticas que se arriscam a perder a especificidade de cada caso e prometem expor ao ridículo a singularidade da experiência prática), uma vez que, ao problematizar eticamente o sentido rígido da recomendação tomada como instrução a ser cumprida ou como uma sugestão hipnótica, recoloca no centro da formação clínica a transmissão de uma experiência singular, para a qual somente aquele que já a praticou pode se autorizar.
A problematização ética promovida pela Psicanálise neste texto freudiano, acerca do sentido “sugestivo” a que comumente a palavra recomendação conduz no contexto das formações clínicas de natureza universitária, produz nomes curiosos de “procedimentos” clínicos em Psicanálise que, em sua própria leitura, convocam ao movimento: a “associação livre” é a “regra fundamental”, uma espécie de desafio proposto ao analisante para que ele inclua em sua fala direcionada ao analista até mesmo os pensamentos que lhe parecerem desprovidos de sentido; e a “atenção flutuante” é aquilo que lhe corresponde na atitude do analista, estranha à consciência e à ciência, de evitar notar em demasia, tomar notas ou mesmo dirigir sua atenção ao que é dito pelo analisando ao menos durante a sessão.

Diz-nos Freud que a opacidade do jeito de ser da pessoa do analista ao analisando deve estar a serviço de um espelhamento das imagens introduzidas por aquele que endereça de forma livre sua fala a quem se dispõe a escutá-lo e, também, interpretar o que lhe é dito, tendo como base, inclusive, a memória que se fixou com o auxílio do inconsciente no só-depois da experiência clínica. Enquanto se pratica a clínica, não se produz um estudo de caso, recomenda ele, por fim.
Contudo, é curioso que um texto de recomendações contenha em si um trecho como o seguinte: “Não me atrevo a contestar que uma personalidade médica de outra constituição seja levada a preferir outra atitude ante os pacientes e a tarefa a ser cumprida”. Isso só é possível por se tratar de um texto de recomendações sobre a prática da Psicanálise que, em todo o caso, é sempre demasiada singular.
Igor Mello
Membro do Fórum do Campo Lacaniano de Florianópolis

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